Famílias Improvisadas – Por Vanessa Campanario (Viva Favela)
07/04/2011 01:37Estima-se que 80 mil crianças e adolescentes vivam em abrigos no Brasil, segundo dados levantados pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), em 2006.
Só no Morro do Salgueiro, o Projeto “Vidinha”, que funciona há 15 anos na comunidade, desenvolve um programa de ressocialização e reabilitação para jovens vindo de lares desfeitos. A iniciativa é de Doralice Araújo, dona da casa que funciona como abrigo e acolhe crianças que estão sob disputa de guarda, provenientes de conflitos familiares, negligências ou violência doméstica.
O projeto é regularizado dentro do sistema Casa-Dia, nomenclatura dada a instituições voltadas a recuperação de dependentes químicos ou restabelecimento da integridade física e emocional. “No caso do “Vidinha”, o uso desse aparelho foi permitido pela justiça, devido a metodologia de trabalho alternativa que aplicávamos”, explica Dora.
Alex cuida da parte burocrática da casa |
As crianças chegam de manhã, recebem educação básica, atividades esportivas, aulas de inglês, informática e artes plásticas, tratamento médico e psicológico e à noite voltam para seus lares.
Elas são inseridas no projeto através de denúncias de vizinhos, às vezes levadas pelos próprios pais ou Conselho Tutelar de Vila Isabel.
A principal dificuldade desses abrigos está relacionada ao tempo de permanência dos casos, que podem durar anos. “Hoje, temos 20 jovens que estão fora do enquadramento de Casa-Dia. São crianças, praticamente excluídas de seus lares e sem ter onde ficar. Como foram cadastradas na justiça, recebemos autorização do próprio para trabalharmos com elas”, diz Alex Araújo, filho de Dora e responsável pela parte burocrática da casa.
Alessandro Barreto, 18 anos, é um dos jovens que passou a vida sob os cuidados de Dora e vive atualmente fora do sistema Casa-Dia. “Eu a considero como mãe, porque é graças a sua iniciativa que estou aqui. Ela me conhece tão bem que só de olhar sabe quando estou com problema. Ainda que eu tenha outras conquistas e forme uma família não me vejo longe dela”, garante.
De acordo com Alex, muitas sofrem problemas de adaptação. “Elas chegam desconfiadas, acuadas e tristes por causa das brigas que presenciaram. Há crianças que absorveram a violência de tal maneira que descarregam tudo aqui”.
Alessandro passou a vida sob os os cuidados de Dora |
Adotar para mudar
Segundo os resultados da pesquisa, inédita, realizada pela AMB, 57,9% da população consideram a adoção a melhor alternativa para mudar a realidade dos jovens que vivem nos abrigos.
Depois de perder o filho em um acidente de carro, a aposentada Nescy Fernandes de 70 anos, procurou curar sua dor ajudando crianças que viviam em uma creche na Zona Norte.
“Eu estava muito carente quando me fizeram a proposta de trabalhar na creche comunitária, em Higienópolis. O serviço voluntário de cuidar dos filhos dos outros preenchia um enorme vazio dentro de mim desde a perda do meu menino. A adoção de sete jovens foi uma conseqüência natural da convivência e apego com eles”, conta. A aposentada está entre 15,5% dos entrevistados que adotariam uma criança de abrigo.
Nescy: trabalho volutário para curar a dor |
Para a advogada Wanda Benedicto, a quantidade de crianças que vivem nos abrigos está diretamente ligada a problemas jurídicos que atrasam os processos de adoção. “É um ato pessoal e de amor e que encontra barreiras impostas, como a morosidade do judiciário e a questão de estar ou não habilitado para isto”.
A diferença na história de Nescy é que primeiro ela adotou e depois resolveu fundar uma instituição para ajudar mais crianças. O lar “Luz e Amor”, semelhante ao de Doralice, também funciona no sistema Casa-Dia para os filhos de moradores da comunidade. E os jovens que são encaminhados pelo conselho tutelar têm a idade máxima de três anos e meio.
A questão é que muitas dessas crianças acabam prolongando a estadia por falta de um novo lar ou pela espera da reintegração na família. Passando do tempo limite que deveriam ficar para a adoção, o abrigo vira um lar permanente para aquele jovem. Segundo a pesquisa da AMB, 27% dos entrevistados procuram crianças do sexo feminino com até seis meses de vida para adotar.
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